terça-feira, 13 de outubro de 2015

rebobinar

Estava com dores, mas não chamou o doutor, ao invés disso enfiou o dedo na goela do aparelho e constatou que a fita havia emperrado. Deu play, mas a história permanecia travada, tentou avançar, mas o botão “fast forward” estava gasto e quebrado. Então era isso, ou continuávamos no pause, ou aceitávamos que havia chego a hora de retroceder até o inicio da historia e devolver o clássico a quem quer que tenha sido o locador.

Os presentes um tanto ansiosos por algum entretenimento, teriam que esperar e se contentar com o avanço invertido, a fim de ver o fim do mundo como o começo e o surpreendente inicio como o fim da historia. Como iriam continuar a viver fingindo não saber? Teriam que se esforçar ou tentar esquecer! 

Vivenciavam o sentimento de devastação e pós guerra que o final proposto começava a deixar, se sentiam assim pois provavelmente eram os protagonistas daquele filme. A historia contada remexia as entranhas e fazia com que se identificassem de maneira complexa a ponto de incorporarem os personagens e seus trejeitos, como se estivessem se recuperando de uma amnesia coletiva, assumindo silenciosamente os personagens e as memorias que eles mesmos criaram.

Os mais sensíveis foram os mais lógicos, logo constataram que nada faria sentido e o melhor a fazer era se entregar, mergulhar na experiencia para qual não haviam se candidatado. A historia se desfazia, partindo do principio onde tudo acabou e seguindo passo a passo os frames com cronologia regressiva de dias melhores, onde toda harmonia se sustentava com a inocência e com o desconhecimento de que a felicidade sempre foi uma ideia criada a partir dos sonhos. 

Na tela brilho nos olhos, na vida saudosismo, vergonha e desunião. O que não construía desconstruía e destruía mais ainda. Como era catastrófica a ação do tempo, olhar o passado confirmava que o que está mudado não voltava, tal como a água do rio que segue sem olhar para trás. O que não havia se realizado ou concretizado, era sujeira parada nas curvas do rio, o que era concreto avançava em frente com total força.

O relógio no visor regredia e eu aguardava ansiosamente pelo marco zero. 
A ansiedade não era pelo fim, o fim era só um meio, um dolorido processo, porém necessário para chegar ao recomeço. Era essa euforia que me mantinha como uma das poucas pessoas de olhos abertos. A ideia de recomeçar, viver algo novo, refrescante, isso me animava quase a ponto de esquecer pelo que estávamos passando.


Era necessária a consciência de que não podia mais lidar com tantas coisas pela metade, tantos "e se", tantas historias sem final, tantos enredos largados a própria sorte. Enquanto assistia a jornada retroativa, desejava partir com um grande cesto e recolher os arrependimentos das possibilidades que eu não soube viver. Eu sentia muito, mas queria ser como o rio, que parte sem olhar para trás. Tentava não me enganar, mas para a maioria de nós o melhor momento era sempre o de dizer olá e também o de dizer adeus. Os poucos momentos onde podemos trocar beijos e abraços efusivos, aceitando o contato e quem sabe até deixando escapar algum sentimento que vaza com a emoção. Nossas relações são por educação, motivadas pelos costumes que herdamos, se o motivo fosse o da própria vontade humana, que tanto nos empenhamos em esconder, viveríamos entrelaçados, mas não vivemos.
Já havia me colocado no lugar deles, já tinha me colocado no lugar delas, já tinha me colocado no lugar de cada um naquela sala, e o meu assento no chão frio, não era menos desconfortável que a poltrona de veludo ou a cadeira de madeira. Não existe um bom lugar para assistir uma desconstrução, por isso, ao acabar a sessão cada um se retirou a própria reclusão, não em busca de uma conclusão, mas sim afim de evitar alguma confusão de ideias. O comandante reuniu as entidades e anunciou o fim, apenas um corpo era a nave, e o corpo nave merecia descanso antes de finalmente partir para a próxima jornada.


00:00:00
ao ejetar o objeto do aparelho pode-se ler:
Rebobine antes de devolver.



Nenhum comentário:

Postar um comentário