segunda-feira, 16 de junho de 2014

Fogo no Circo!

Golias era um leão recém capturado, foi retirado da savana e vendido ilegalmente! Viajou centenas de quilômetros, atravessou o oceano enclausurado, dopado, maltratado, quando chegou em terra duvidou-se se sequer viveria! Um animal daquele porte, com aquela beleza e olhando para ele eu  só conseguia ver medo e tristeza...
Humanos são animais com defeito natural, não fazem sentido! Como um ser vivo triste, poderia ser causa de alegria? Pra mim não faz sentido, mas para o circo que comprou Golias, o meu circo, fazia todo o sentido do mundo. Na semana de sua chegada só se falava disso, ele seria a nova grande estrela, mas não antes de passar pelo domador...
A origem da palavra "domador" vem do Latim domare, significa "amansar, dominar, domesticar", mas eu só vejo dor em domador, a origem pra mim é essa, e o que isso significa pra mim é que ele vai tirar toda a esperança que restou!

Eu nasci no circo, e existe sempre quem pensa que isso foi um sonho, mas eu odiava! Eu me perguntava como era a vida das crianças que iam com seus pais ao circo, encantadas com nossos números, sempre cheias de mimos, olhos brilhando! Sabe, as pessoas normais que frequentam escolas, assistem televisão, trabalham em bancos e escritórios, elas não imaginam, elas não fazem ideia de que a magia não existe para quem está nos bastidores! Restaurantes, cinemas, circos, teatros, gente que faz a magia acontecer, as vezes esfria e quando tem a oportunidade de estar do outro lado, vira critico, técnico, não vê mais graça em ver magia, só quer fazer magia! E apesar da liberdade (que parece até obvia quando se pensa no povo do circo), a vida sempre foi dura, com rotinas intensas de trabalho, dos mais novos aos mais velhos. Eu passava doze horas por dia trabalhando minhas habilidades! No começo eu levava como brincadeira, horas de contorcionismo, horas de malabarismo, ajudar a alimentar animais, limpar jaulas, mas em certa idade deixou de parecer brincadeira. Acho até que eu nasci diferente das outras crianças do circo, ninguém parecia ter as minhas duvidas profundas, apenas viviam os dias, aceitavam a nossa realidade. Mas eu sempre que podia agarrava com unhas e dentes informações e conhecimentos sobre a vida fora do circo. Os anos passaram e eu vi gente fugindo com o circo, mas nunca vi ninguém fugir do circo (talvez uma ou outra criança com medo de palhaço), e eu, o que me faltava era coragem para largar a trupe.
Naquela época eu tinha doze anos, já era contorcionista, malabarista e participava de um numero com Clóvis o Palhaço, era minha responsabilidade também alimentar alguns dos animais, atividade que eu faria de bom grado, se não implicasse em receber ordens do domador!

O domador! Ele não tinha coração, não tinha amor em bicho, e no que considero bicho, considero também todo o resto da humanidade. Acredito que ele se achava mesmo um herói, um Tarzan, um... sei lá o que aquele homem imbecil se achava, o fato é que ele era um açougueiro, um carniceiro! Tao logo que botou os olhos em Golias, se odiaram! O leão fraco, oprimido na gaiola que era do seu tamanho, rugiu, mostrou os dentes, deu uma bela mijada e a qualquer pessoa que tentasse chegar perto, ele mostrava logo que estava disposto a arrancar cada membro do corpo do aventurado! O domador gritava, estalava o chicote, se exibia para todo mundo, e enquanto forçava uma gargalhada grave dizia: "Nós vamos ver quem pode mais, quando eu arrancar esses dentes, nós vamos ver quem é o mais macho". Meu coração era apertado, essas cenas que eu já virá tanto deveriam te-lo endurecido, mas por algum motivo me deixavam cada vez mais triste.. Acho até que se naquela época tivesse acesso, teriam me levado ao psiquiatra e me diagnosticado em quadro depressivo. Infelizmente, se existisse um psiquiatra na trupe daquele circo, teriam diagnosticado também que Clóvis, o palhaço se encontrava em um quadro muito pior, estava sofrendo de um quadro severo de coração partido!

Estávamos em uma cidade grande, a poucos quilômetros do porto, já haviam montado a tenda e naquele dia eu acordei com o barulho da fanfarra ensaiando. Os últimos detalhes do picadeiro eram ajustados e seria um dia qualquer de apresentação do circo na cidade, mas não foi! De longe se via as faíscas das facas sendo amoladas, martelos, alicates gigantescos, artigos que mais pareciam ser de tortura estavam sendo preparados... o leão perderia seus dentes em breve!
Engoli a seco, perturbado fui ao encontro de Clóvis começar nossa rotina, nós pouco nos falávamos. Se eu era triste, o palhaço nos últimos tempos nem se fala, mas por algum motivo deixei escapar: "Tenho pena do leão, ninguém deveria perder os dentes assim, parece dolorido. As vezes o circo é um lugar cruel!". Clóvis ignorou, mas passado algum tempo, o palhaço me assustou com a resposta que eu já nem esperava: "Nós mudamos a natureza das coisas para que elas não nos ataquem... Você tem razão, é crueldade, é errado!"

Clóvis era mais um, entre tantos outros animais cujo a besta havia arrancado na força a esperança, estava domesticado e mortalmente ferido! Inesperadamente, Clóvis agarrou sua maleta e disparou para fora da lona, já saindo pela parte entre aberta disse: "Vem!" e eu fui sem saber!
Clóvis se dirigiu até o trailer e escritório de Rubens Gordo, dono do circo. Sem frear um passo, agarrou um molho de chaves pela janela e ainda andando, jogou-as para mim e disse: "As chaves, abrem as jaulas, faça o que tem que fazer e corra!". Eu não sabia o que eu tinha que fazer, não é como se ele tivesse conversado mais que o trivial comigo e agora de repente estava tomado pela certeza que eu sabia o que eu tinha que fazer? Não tive muito tempo para pensar, mas sabia que ele tinha me dado as chaves para que eu libertasse Golias, e com as chaves nas mãos eu poderia, se quisesse,  libertar todos os animais! Mas e as pessoas? Com Golias e todos seus dentes, nenhum animal ou pessoa teria chance de sobreviver!
Foi o que eu consegui pensar, pois em outro segundo o palhaço Clóvis já se encontrava de frente a Javier, o domador e gritava a todos, tomando toda a atenção:
-"Você quis colocar fogo no circo Javier, mas quando colocar fogo no circo, tenha certeza que você não vai estar dentro para queimar com ele!"
Dito isso, Clóvis retirou um revolver de sua maleta e atirou em Javier! O panico se instalou, eu estava exatamente na mesma posição, assisti o corre-corre, paralisado e vi quando Clóvis saiu correndo com um galão de gasolina. Algo em mim disse que era a hora!

Fui até as jaulas, Golias estava dormindo, arranquei o cadeado e corri, rezando para que aquele leão selvagem acordasse e se desse conta que era livre pra fugir, mas só quando eu estivesse bem longe dali. Eu corri, e enquanto corria gritava: "O leão está solto". Pra mim era uma questão de salve-se quem puder, a vitima era o leão, eu não sentiria culpa se ele se vingasse de alguns humanos. Então corri, corri para longe do circo! Quando já estava a dois quilometro longe, pude ver uma densa fumaça vindo de onde eu tinha saído! Minha família! Como pude não ter pensado neles em nenhum momento? Os gêmeos, meus irmãos mais novos, meus pais, havia um leão a solta e agora havia fogo! Comecei a corrida de volta, e no meio do caminho uma multidão de pessoas começou a correr em minha direção, gritavam: "FOOOGO!" enquanto outras berravam "LEÃOOO!". Meus olhos começaram a ganhar grande quantidade de água, que transbordava e despencava em lagrimas, eu gritava pelo meu pai, gritava pela minha mãe e corria na direção do auê.
No meio da multidão, alguém puxou meu braço me dando um tranco e me colocando para correr junto com fluxo de gente! Meus pais corriam com meus irmãos mais novos, além de um cachorro que vinha sendo arrastado na coleira! Parcialmente aliviado, eu corri, corri até meu pai julgar que estávamos em segurança e quando me dei conta, estávamos no porto! Nos abraçamos e tivemos poucos segundos de alivio interrompido pelos gritos que tornaram a aumentar em nossa direção.

Foi quando eu o vi, com sua juba chamuscada balançando, o leão vinha com todos os seus dentes a mostra. Golias deu um salto em direção ao oceano, e minha felicidade em ter salvo a esperança do leão, foi tomada pela duvida: Leões sabem nadar?
Por sorte alguns marinheiros em navios atracados ao porto pensaram o mesmo, capturaram o leão com uma rede, um verdadeiro ato de coragem, pois mesmo preso em uma rede de pesca, Golias ainda tentava atacar. Depois disso vocês podem imaginar, a policia foi investigar os fatos, e com tantas irregularidades não foi surpresa que o circo tenha ido a falência. Javier morreu, demorei anos para entender que Clóvis e Javier eram na verdade amantes. Clóvis também morreu, foi carbonizado, e saiu no jornal como assassino e unica vitima do incêndio provocou. Parece que ele não seguiu o próprio conselho, ficou preso dentro do circo enquanto ele pegava fogo.
Rubens Gordo vendeu o que sobrou do circo, e os animais que estavam ilegalmente em sua posse foram levados pelo governo, a ultima vez que vi Golias, ele estava sendo levado para uma reserva, e meu encantamento foi em saber que existiam mais pessoas como eu, que preferiam os animais livres. Golias deu sorte em sua jornada, dei uma ultima olhada para ele, seu destino viria a ser também o meu futuro, decidi que era a minha hora de dizer adeus ao circo.

sábado, 14 de junho de 2014

Indiscrição compartilhada

Dois anos atrás nem prédio tinha, agora tem prédio e agora tem gente morando.
O prédio tem uma caralhada de andares, as varandas dos apartamentos são todas de vidro, falta de privacidade pra eles e pra mim. Quando tudo isso começou, eu sabia que um dia teria vizinhos pra todos os lados, foi broxante desde o primeiro momento! Vi a destruição da casa que existia vizinha ao meu prédio, o buraco gigantescos que tirou toneladas de terra para dar lugar a garagem e fundação da construção e ali eu soube: Andar pelada no apartamento? Nunca mais! Ou talvez... isso se não esquecesse nenhuma janela ou cortina aberta...
A primeira fase foi a de construção, os pedreiros eram detestáveis, me acordavam as seis da manhã batendo ferro e levantando um andar a cada três dias! Juro, se não era isso era quase isso, foi muito rápido (e barulhento). O inferno na vida de quem chegava do trabalho duas/três da manhã.
Em pouco tempo a estrutura estava toda pronta, e ai foram vindo os detalhes. De cima vi o playground, piscina, quadra de futebol sendo montados, pra mim um recorde, fala-se tanto dos atrasos das contrutoras, mas aqui eu garanto, foi recorde!
Mas já a alguns meses não tinha mais peão bisbilhotando pro meu lado, tinha quase esquecido que os vizinhos iriam chegar, até que essa semana eles chegaram, e os primeiros moradores são justo do andar correspondente ao meu!
Voltei a fechar as janelas, e hoje deixei só meia janela do quarto aberta, de um jeito que pouco se vê. Esqueci os vizinhos e comecei a tocar violão, arranhei tudo que foi musica. Algum tempo depois ouvi barulho de vidro, o vizinho abriu os vidros da varanda dele, achei que eu estava incomodando, ou achei que ele só ia deixar o ar circular la dentro... Foi ai ele começou a tocar piano!
E foi assim que percebi... Já temos a musica em comum, em pouco tempo seremos parte da rotina um do outro! Eu vou sair pra fumar um cigarro na varanda e eles vão estar jantando na varanda gourmet. Eu vou assistir o novo episodio de game of thrones e o som da abertura vai vazar pela janela, ele vai correr pra colocar na HBO. Até que um belo dia, estarei cozinhando e ele vai falar: "EI, o cheiro está bom ai, o que vai ter? Vou ali comprar o vinho e você me convida!"
Afinal, deve ter sido essa intenção do arquiteto, aproximar a vizinhança com tanta indiscrição e proximidade!

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Carrossel livre

Bruna abriu os olhos, despertou diretamente de um sonho desconexo para a luz natural que batia no quarto! Na estranheza de faze-lo longe de sua casa, se assustou com a localização atual, segurou a respiração mas soltou levemente pra não dar suspeitas de que estava acordada. Divagou sobre a noite anterior e rapidamente sentiu ansiedade intensa, para alivia-la, coçou o nariz no cobertor (tinha a mania de coçar o nariz quando se sentia ansiosa e animada, principalmente quando se tratavam de assuntos os quais se sentia prepotente) e se deu conta que o cobertor estava preso em outra pessoa. Ela estava deitada de lado, de cara com a parede, já pensando que em algum momento teria que acordar de fato, levantar e enfrentar a situação! No momento presente sentia o pé quente e peludo que conhecia tão bem, era dele, e ele estava deitado ao seu lado, com a barriga pro teto, acordado ou não mas ela não queria olhar pra ter certeza (não por enquanto), precisava de mais um tempinho encarando a parede até achar a coragem.
Ele despertou muito mais os sentidos do que os sentimentos, ouviu alguém teclando no quarto, olhou de canto, Cecilia já estava acordada e bastante confortável (O suficiente pra fingir ter algo mais interessante no computador do que na própria cama). Do lado esquerdo estava Bruna, dormindo, imersa nas cobertas, de um jeito que ele podia ver apenas o topo de sua cabeça. Seus cabelos ainda exalavam um perfume tão bom, que faziam a vida parecer de mentira.
Cecilia estava sentada com os dois pés em cima da cadeira, alcançando apenas os antebraços na imensa mesa cheia de livros. Cabelo preso de qualquer jeito, calcinha branca, camiseta amarela de uma banda que ele não conhecia (provavelmente de algum ex namorado), mesmo de costas era uma cena linda de ser ver assim,  logo pela manhã!
Cecilia tinha um trabalho tão incrível, que todo mundo sentia essa pontinha de descontentamento com o próprio trabalho quando pensava nela. Resumindo bem, era jovem, trabalhava com gente jovem, viajava muito, pagava as contas e dividia dos mesmos luxos e benefícios com os amigos  de trabalho. Se eles trabalhavam mesmo não da pra saber, porque as fotos na internet eram sempre das festas. Olha, esses trabalhos modernos são assim mesmo, além de que, muito do trabalho se faz do próprio celular, ou de casa!
Ela tinha acordado com o vibra do celular, perdeu o sono com uma mensagem mal educada da mãe. Era sábado, já tinha mais de cinco meses que ela não voltava pra Americana no fim de semana (ou em qualquer data/feriado), tinha prometido que ia nesse, não foi! Depois de alguns minutos remoendo o compromisso quebrado, foi direto para o computador, e assim, no sábado de manhã, estava adiantando algumas coisas do trabalho. O verdadeiro motivo de não ter ido ver a família, estava na cama, quer dizer, pelo cheiro do café, estava na cozinha também!
Quando Victor acordou, a iluminação no quarto era perfeita, a luz do sol fotografava cada móvel, livro, taco de madeira, quadro na parede e as pessoas deitadas em um colchões e edredons. A felicidade da perfeição fotográfica durou quase um minuto, foi o tempo necessário para perceber que havia acordado pelo chamado numero dois da natureza. Quando levantou, o banheiro já estava ocupado, acabou tendo que usar o lavabo do lado da lavanderia, aproveitou a passagem na cozinha e resolveu fazer café.
Lena saiu do banheiro, viu a porta do quarto entreaberta e decidiu ir pra sala se jogar no sofá.
Estava esgotada psicologicamente. Apaixonada por Cecilia, namorando Victor, tomada pela curiosidade de estar com Davi e Bruna. Qualquer coisa ali era complicada demais para se ter uma solução, mas era inevitável, fechou os olhos e deixou o carrossel girar!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Nathali na Noite

Este ano meu blog faz quatro anos, ieeei! 
Percebi que a descrição que eu criei naquela época jamais havia sofrido alteração alguma, então atualizei tudo, inclusive troquei layouts e etc. 
O blog começou como descarga emocional, em uma época que estava pedindo ajuda e ninguém via. 
Quando deveria xingar e explodir com gente que merecia, eu guardava. Isso me fez adoecer muitas vezes, e sei que este escape que encontrei, de certa forma me salvou.
Depois do blog passei a despejar um pouco da minha magoa nas palavras e minhas dores de garganta foram reduzidas de sete por ano, febre de 40º, milhares de antibióticos e internações para no máximo uma ( e esse ano tenho certeza que tive a minha ultima da vida). Com o alivio que desabafar aqui me trouxe, escrever se tornou uma atividade prazerosa.
Atualmente os elogios aos meus textos acontecem regularmente, mas o histórico está ai pra provar que quando eu comecei a escrever, a regra ortográfica que valia pra mim era a do MSN e virgula era pular linha! Esse blog foi pra mim uma evolução em inúmeros sentidos, vi que gostava de escrever por que queria me fazer ser entendida, então tinha que aprender a escrever melhor. E eu aprendi, porque todo mundo tem capacidade de aprender, ninguém é melhor do que ninguém, assim eu pude ser melhor a cada vez e fazer melhor sempre.
Entendi muito mais sobre mim, entendi mais sobre situações, escrevi pra lembrar, escrevi pra desabafar, escrevi pra não explodir, contei historias de outras pessoas, inventei personagens e fiz tudo isso deixando rastros de um crescimento que provavelmente só eu entendo.
Mas a mudança precisa ser positiva, e escrever só pra não explodir é um habito que preciso largar. Com a sutilidade dos anos, nem eu mesma vi, mas preciso mostrar um crescimento efetivo desse trabalho. Eu mudei, já sei a tempos, mas a expressão estava viciosa, o jeito é dar um tapa no visual e que fique claro: Se eu mudei, o nath@night também.

Regra ortográfica de MSN: Historia sem Fim!