terça-feira, 18 de agosto de 2015

Garapa

 Caminhou da estação de trem para a kombi adesivada, "1980"; Fez as contas, aquele senhor já estava naquele ponto a quarenta e cinco anos, vendendo caldo de cana em frente daqueles motéis baratos. O segredo do sucesso desse tímido empreendedor só poderia ser acaso, um acaso oportuno de estar ali para repor as energias de seus clientes, bem na porta do entra e sai. Duro é pensar que há quem possa considerar esse sucesso um fracasso.
 Quinta-feira ensolarada, perfeita para um caldo de cana e uma tarde toda de sexo, infelizmente sentia muito sono quando tomava a garapa, isso atrapalharia o sexo. Sentou-se num banco perto de um parque enquanto aguardava. Alguns dias do mês via sexo em tudo, olhando para o parque se viu transando na grama e admirando os pássaros; Certamente não duraria muito, mas talvez atrás do caminhão baú estacionado perto do drive-in, sem tirar as roupas, só se esfregando até gozarem mesmo; qualquer coisa, mas uma em especial: tinha em mente pegar a estrada e parar no meio de qualquer lugar, pois a excitação era justamente esse ejacular de desejo precoce, que não podia esperar um lugar calmo, que não podia esperar quatro paredes, que não podia esperar!
 Talvez fosse a lua da semana, mulheres viram lobas, homens lobisomens. Talvez segurar o desejo fosse como segurar dinamite acesa, não importa quanto tempo você vai segurar, ela vai explodir, mas se segurar muito, ela vai te explodir.
 A voz eloquente ecoava na cabeça, ela tinha contaminado tudo se disfarçando de paixão, não tentava esconder que tinha sujado a mente de forma insaneável, qualquer um que olhasse profundamente seus olhos poderia ver a sujeira por trás do rosto calmo, que se distraia facilmente pensando na beleza do parque, da quadra de futebol vazia, dos pássaros e ocasionalmente dos quadris, coxas e seios.
 Uma coisa não anulava a outra, mas se uma das duas não se sobressaia, talvez elas se completassem. O desejo visceral era a vida, era o fluxo normal que lhe empurrava para perto dos outros. Homens, mulheres, apenas a empatia garantia a sobrevivência da espécie. A fantasia poética era colocar uma beleza escondida no ordinário e comum, eram as desculpas formidáveis para serem animais irracionais e extremamente passionais.
 Quando abriu a porta do carro trocaram faíscas com os olhos, ela também estava dominada pela mesma voz eloquente da paixão. A respiração quase controlada por trás da desculpa pelo atraso, não disfarçava os pensamentos escapando pelos poros da pele, sendo dedurados pelo cheiro. Feromônios não mentem, não disfarçam, mas tudo bem, pois era realmente uma tarde perfeita para se render e se perder em um brain storm afrodisíaco, espremer o suco da cana e se embriagar da energia criativa gerada nos chakras quentes.



sábado, 15 de agosto de 2015

dança dos peixes

Se você for distraído como eu, pode nunca ver...
mas se tiver sorte, vai acabar se distraindo no momento certo
e sem querer vai assistir a um sublime espetáculo:
uma subida em sincronia, uma espiral na leveza das aguas,
um abraço sem braços, linda troca de energia, uma expressão do amor
há quem hei de duvidar, mas até os peixes podem se amar.


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

eu perguntava: do you wanna dance?

Um ambiente démodé rodeado de gelo seco, você só pode estar em uma festa decadente.
Mas olha, ninguém vai te devolver na saída o tempo perdido, então tome as batidas de coco, dance as batidas dessas musicas batidas, aceite os sons de teclados ultrapassados e o "eu te abraçava: do you wanna dance?". É só uma festa, ela poderia estar acontecendo também nos anos 90, tão brega ou vergonhosa quanto as festas modernas... Falando nisso, logo chegam as pulseiras neons e os anos 2000. Ninguém vai te devolver o tempo perdido na saída, coma toda a comida que puder, saia bêbado se quiser, envergonhe sua família, tire a gravada, tire os sapatos, rode a camisa. Você pode escolher entre a depressão e a euforia; Porque ainda damos festas para comemorar? No fim ninguém se da real atenção, no final quem está realmente feliz? É só comer, beber, dançar, estragar a produção do seu cabelo, suar a roupa que você escolheu e se perguntar: Pra que gastar dinheiro com isso? Pra que casar se depois vai separar? 
Olha, ninguém vai te devolver na saída o tempo perdido, apenas curta a sua vida, mesmo que ela te sirva canapé de maionese na barquinha.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Cidade fantasma

Eu reconheço essa estrada, ela leva até um lugar que já não diz nada para mim.
Reconheço as ruas e suas nostalgias centenárias, seus prédios e a rodoviária.
Antigamente isso tudo era a terra distante para onde eu viajava até a felicidade.
Meu coração descia a serra ansioso por esse bafo quente, mesmo nos dias de chuva,
era a mais agradável sensação aquela vontade que eu tinha de gritar que havia chegado!
Rodando pelas ruas tão parecidas, bares iguais, padarias, canais,
o vazio não tão aparente, se torna visível pela saudade que tenho de sentir;
Como é que um dia eu pude ter desejado viver aqui?
Testifico que sem amor, não valeria a pena viver nem nesse e nem em qualquer outro lugar.



BI

  Não estudei psicologia, nem li os caras que influenciam psicólogos, mas ouvi muita coisa conforme crescia, muita gente tentando explicar o porque minha cabeça deu errado e o porque possivelmente minha vida também daria.
"Não entendo mas respeito", "você vai querer ser homem?", "você tem que se preservar, não da beijo, não anda de mão dada","A gente só quer que você seja feliz", .
Ahãm...

  Felicidade no geral já incomoda demais de qualquer forma, a maioria das pessoas não suporta gente feliz, e vai ver sabendo disso muitos de nós resolvemos ser emos, góticos e depressivos suaves. É uma defesa muito inteligente contra a arte das trevas de botar olho gordo, mostrando infelicidade talvez incomodemos menos. No fundo estamos sempre divididos entre ser ignorados e felizes ou entre ter toda uma atenção desnecessária de holofotes no nosso mundo. Não sei o que é pior, querer essa atenção ou ser bobo de ficar dando.
  Me questiono muito, afinal de contas tenho minha própria lanterna apontada pro meu mundo, sei que o publico é seleto, mas 'comigo não morreu'. Já me perguntei se gostar de meninas não foi só não foi uma forma de chamar atenção, mas sinceramente? Só escancaro isso hoje porque foi secreto e dolorido durante muitos anos. Em casa diziam que com o tempo ficaria tudo bem, mas do outro lado era um chabu de meninas mais velhas apontando e falando merda pra mim, e os pais das minhas amiguinhas na extensão do telefone pra ver se eu não tava dando em cima, ou com medo que passar muito tempo comigo fosse contagioso...Vai ver que não fiquei triste por defesa, acho que eu era realmente triste por tudo isso...
  Meu primeiro amor relatado pela família foi por um menino, um tal de Cléber, vulgo Clebinho, diz a lenda que bati numa menina por causa dele, eu não lembro de nada disso, só me lembro de falarem que eu curtia ele, então acreditemos que com 4 anos eu curtia, ué! O que mais lembro dessa época era minha professora de Ballet, sempre levava presentinhos pra ela, mas normal, né? Na primeira serie eu lembro do Bruno, loirinho com cabelo de tigela, mas que comia caquinha de nariz. Maior felicidade da vida quando era parzinho dele pra dançar, mas pra fazer atividades nem tanto, porque ele era tão tchongo quanto eu e teve a capacidade de repetir a primeira serie. Na quarta serie eu dizia que gostava do Felipinho, todas as meninas gostavam, ele era menor que todas, parecia um boneco de tão lindinho... mas eu gostava mesmo era da Lorena. Ela era um tipo de mean girls de nove anos, mandava em todas as meninas, e nessa época causava principalmente comigo. Não sei se chorava mais por quando ela me chamava de maria joão (sendo que eu nem era, afinal eu curtia pacas britney e nem jogava bem futebol), ou se eu chorava porque devia odiar ela, mas era gamada na bruxa.
Não importa, logo depois disso vieram as ferias e passei longas tardes no pombal desfilando pra cima e pra baixo com minha prima. Numa dessas conheci o Jonathan da nova geração, também conhecido como cabelinho de princesa. Me apresentei como: Gabriela.
  Foi escondida num dos prédios do Inocope que perdi o BV, meu primeiro beijo foi show, amei, difícil foi parar depois. Logo vieram as matinês e durante algum tempo minhas paixões foram o cabelinho de princesa, o Roger, e alguns meninos que frequentavam a Ocean Drive. Eu sempre queria os mais gatinhos, mesmo os que nem tinham beijo muito bom, o importante era ser lindinho. As vezes eu era Nathali, as vezes dava telefone certo, mas curtia mesmo mudar de nome, mudar de eu, varias vezes fui Gabriela... a tal da Gabriela existia, era uma menina relativamente parecida comigo, que era uns dois anos mais velha e meio vesguinha, mas era bem linda e o coração sempre disparava quando a via no corredor da escola.
  Não sei como as outras meninas separam admiração de paixão, mas eu não precisei lutar com isso a vida toda, tinha um primo que sempre teve tudo pra ser gay e que me deixou obcecada com o beijo da Madona na Britney. Eu relutei, afinal tava sussa beijando os boy, mas assim que ele me convenceu a beijar a Angelina Jolie, fomos na parada AME (amigos da musica eletrônica). Era um domingo a tarde e tinha uns 5, 6, sei lá, vários carros de som tocando musica eletrônica ali no Ibirapuera... eu tinha 13 anos e estava bêbada de vinho chapinha quando beijei uma menina, foi muito sem graça, não tinha nada demais, era tão besteira que segui beijando meninos e me apaixonando por meninas.

  Eu poderia caçar mais na infância os sinais para concluir que devo ser bi, ou poderia destacar mais detalhes da formação da minha sexualidade, tentar ver de onde vem essa confusão que já é tão normal pra mim. As pessoas costumam dizer que a menina se apaixona pelo pai, o menino pela mãe, rola o complexo de Édipo e bola pra frente ser normal. Eu não acho que eu tenha me apaixonado mais pela minha mãe do que pelo meu pai, acho que tive bastante decepção com meninas e com meninos também, demorou muito e ainda demora pra eu me sentir bem comigo mesma. Apesar dos pesares tenho uma autoestima extremamente frágil, e entre meninos e meninas acho que só posso resolver isso sozinha mesmo. Eu já tentei achar as raízes do problema, mas o problema é que quanto mais eu penso, mais acho que são muitas, então não adiantaria escolher um lado ou me pendurar em alguém pra ver se resolve.
 Desisti de tentar escolher entre ser mãe e ter filhos ou ser sapatão e sei lá, ser discriminada...
Mas apesar de não saber escolher, eu sei muito bem o que eu quero, eu quero me sentir protegida, segura, confortável e aceita, seja lá por quem for e eu espero que a minha vida seja natural, cheia de amor e pessoas que me façam sentir bem.
Como vai ser isso? Não sei, nunca soube, talvez nunca saiba, talvez nunca chegue, mas enquanto não chega eu não preciso escolher e automaticamente perder.

"a gente só quer que você seja feliz"...

Eu também só quero ser feliz.