quarta-feira, 14 de agosto de 2013

As aventura noturnas de uma cidade sem transporte coletivo 24 horas:


Estava no ponto a mais de vinte minutos, tava acendendo um cigarro com um fosforo desses de motel e o vento já tinha apagado uns vinte! Minha orelha congelada e um arrependimento constante de ainda não ter comprado uma luva e uma touca! Que diabos, por que o inverno não acabou ainda?
Estava me sentindo o ser humano mais congelado do planeta, a pessoas mais picolé do que as pessoas que vivem com pinguins na antártica, mas finalmente consegui acender o cigarro, parei de andar de um lado pro outro numa tentativa frustrada de aquecimento e sentei no ponto outra vez! Nesse momento, vinha vindo do outro lado da rua uma mulher com duas sacolas gigantescas em cada mão, uma mochila bem grande nas costas, um cobertor entre um dos braços e um menino de uns 7 anos enrolado num cobertor! Ela praticamente se arrastando com tanto peso e ele envolto no cobertor, como quem sai do banho quente no frio. Quando a gente vê um adulto se fodendo no frio, é foda... mas criança... puta que pariu, criança é desesperador! Foi só ver aquilo que imediatamente meu frio passou! Sei lá o que me deu, sei que quando vi já tava atravessando a rua... no tempo de eu atravessar eles pararam na frente de uns degraus de um prédio pra descansar, e eu percebi que nem sabia o porque eu tinha atravessado a rua... nesse momento chega um hippie e me lança uma conversa direta:
"-Ta feliz ou triste?
-Ahn? Ah, feliz, seria ingratidão com a vida estar triste...
-Eu to triste!
-Triste porque?
-Acho que vou morrer sozinho!"
Talvez eu devesse ter medo, eu sei que a primeira regra é jamais falar com estranhos, mas eu achoq eu tenho uma boa intuição, e ela não me apontava perigo, por isso a conversa continuou:

"-Mas porque? Pensa assim não!
-Agora o pessoal ta todo lá na São João, e eu to aqui... tenho mais de dez anos sendo artista de rua, mas me falta algo sabe? E não é material! Parece que eu me envolvo e conheço as pessoas, me dou bem com toda essa galera, eles gostam de mim, e faço um ciclo de amizades, mas nunca estou realmente nele, sabe? "
Os olhos do nego tavam cheios de lagrima, e minha garganta com um nó cada vez mais apertado... ele deu um gole no goró dele e eu respondi a verdade:

"-Sei, eu entendo! Mas calma, tem muita vida pela frente ainda!
-Parece que a vida me cobra pelos meus pecados e escolhe pra mim a solidão!
-Acho que muita gente se sente assim... Mas tenta se perdoar pelos seus pecados primeiro...
-Eu acho que já me perdoei, ou não, sei lá.....Gostei de você, por ter escutado meu desabafo! Vou te dar um presente!
-Ah não, relaxa, tenho que sair fora, acho que não passa mais meu ônibus hoje!
-Não pô, toma aqui um brinco, queria te dar um abraço, mas você nem me conhece né? Não ia pegar bem!"
Aceitei o brinco, também acho que o abraço não ia pegar bem. Fui embora andando, depois de tudo isso fui sem frio! Dei uma olhada pra trás e vi a mulher e o filho levantando acampamento outra vez, pedi proteção pra mim e pra eles!
"Deus proteja a todos nós, marginais noturnos!"