domingo, 17 de julho de 2016

guardiao

-Esses males são seus?
-Não sei bem, preferia que não fossem, será que não é de alguém que passou e deixou por aqui?
-Estou aqui apenas para te abençoar, se você falar que não são eu te abençoo, se falar que sim terá a minha bênção da mesma maneira.
-Eu reconheço isso, lembro de uma prima que tinha algo parecido...
-Acha que pode ser dela então?
-Não sei, não nos falamos a tempos... Como falei, ela tinha algo como isso e justamente por isso brigávamos muito, mas de qualquer forma, não seria melhor chamar alguém pra tirar isso daqui?
-E colocar onde?
-Não sei, não podemos jogar fora?
-Fora de onde?
-Fora ué, jogar fora, sabe?
-Olha, não sei qual conceito de fora você tem, mas como estamos aqui acho que devo lhe avisar, não existe um fora.
-Como assim não existe fora? Pra onde vão as coisas então?
-Vocês as escondem o tempo todo, o que vocês chamam de jogar fora é na verdade esconder de seus olhos para que não possam mais olhar e encarar o mal que lhes causam. Como esses sacos com as limpezas que vocês "jogam fora", pra onde você acha que eles vão?
-Então aquelas coisas que eu achei que tinha me livrado só estão escondidas? Pior, estão largadas em um canto qualquer procurando um caminho de volta pra mim?
-Olha só, bem antes de você existir, existiram uns répteis gigantes por aqui, e mesmo desaparecendo deixaram para trás algo, esse algo quando descoberto virou combustível, maquiagem, coisas de plástico, chicletes, sacos plástico que vocês usam pra "jogar coisas fora", entre outros fins. O combustível vira fumaça, deixa resíduos na atmosfera, o plástico vira muitas coisas, mas quando quebra é jogado fora, e esse fora é dentro de um lixão, onde ainda vai demorar umas centenas de anos para se transformar em outra coisa. Então mesmo que fossem jogados no espaço, o espaço ainda é dentro do universo... Bem, a verdade é que não existe fora, não existe um lixo de descarte daquilo que achamos que não serve mais, existe apenas transformação, e mesmo assim, mesmo transformado, ainda estará lá de alguma maneira.
-Mas não poderíamos abrir um portal para outra dimensão e só mandar isso pra lá? Descartar em outro lugar?
-Se é isso que você quer acreditar, posso fazer isso por você, mas de qualquer forma seria esconder em um outro lugar.
-Poxa, isso é difícil... Eu não tenho o como me livrar das coisas então? Fica tudo escondido?
-Alguns sempre vêm, mesmo você achando que escondeu ou jogou fora, são olhos apurados para além do véu de ilusões. Mas pelo que sei você também pode aprender a transmutar esses males em outras coisas, chamam de alquimia, parece divertido, outra opção seria esquecer tudo isso novamente e continuar a sentir bem estar ao achar que esta jogando tudo fora.
-Queria o bem estar, estou um pouco triste, joguei muitas coisas fora sem as reciclar, achei que tinha apagado tantas outras coisas também, o que faço se elas ainda estão por ai? Vou ter que encara-las novamente?
-Está tudo certo, esse portal que você acreditava existir, esse local ilusório de descarte na verdade está dentro de você. É como quando chega o verão e você guarda os cobertores maiores naquela porta mais alta do seu armário, mas cedo ou tarde o inverno chega e você sobe na cadeira, abre o armário e pega os cobertores mais grossos para tempos em que o sol não aquece tanto, esse é um exemplo tranquilo porque aqui nessa situação você já sabe que precisa do cobertor. Você ainda pode encontrar essas coisas por ai e dar outro olhar pra elas, mesmo no planeta, o lixo que você produziu e tentou esconder aparece hora ou outra por ai poluindo os rios. Tem muitos lixeiros para levar e esconder o lixo, mas poucos recicladores, é mais fácil acreditar em portais de sumidouros, não pensar pra onde as coisas vão, não é?
- Então isso é mesmo meu, só voltou a me encontrar...
-Podemos dizer que é nosso, posso te ajudar a carregar, tento não ser hipócrita, me identifico com todas as coisas e cuido delas. 
-Você faria isso? De onde vêm essas coisas ruins?
-De nós mesmos, somos isso tudo.
-Você é como eu?
-Sou diferente, mas também sou parte disso tudo, por tanto também sou como você.
-É difícil saber que isso é meu e não poder jogar fora..
-Mas tantas outras coisas que você considera boas também são suas, para que se culpar pelas que não compreende? Não seria melhor aprender com elas, encarar? Assim como fez comigo?
-Você?
-Sim, sou um fruto seu, você me plantou na sua consciência criativa para eu te cuidar, ajudar e te lembrar caso você viesse a esquecer.
-Como posso ter te criado?
-Tudo vem de dentro, é como quando descobrimos algo, a palavra já diz... só estava coberto, escondido, mas já existia, estamos só redescobrindo. Mas não esqueça que também estou aqui pra te confundir, te fazer entrar em conflito, até que possa por conta própria perceber que suas crenças, seus preconceitos, seus medos estão todos em volta daquilo que você desconhece, não compreende e por tanto julga como ruim.
-Mas isso é tudo aquilo que eu luto contra, eu luto contra os preconceitos, luto para que minhas crenças e escolhas de vida possam ser respeitadas, como posso ter me enganado tanto achando que isso não era meu?
-Te levaram a acreditar que existiria uma condenação caso isso fosse seu, por isso você prefere negar, tenta disfarçar. Podemos sim seguir passos que foram deixados, por um tempo pode servir, mas como cada um é único, em determinado momento verá que aqueles passos levam a verdade de outro ser, e não a verdade que vem de dentro, por tanto cada um terá um caminho diferente. O certo e o errado, o sim e o não, partem de você, do que você viveu e quer viver, essa é a dádiva de ser um ser cocriador.
-Você é meu anjo?
-Sou o que você quiser que eu seja, seu anjo, seu demônio, seu amigo, inimigo, pode me chamar de cosmos, universo, nomes pouco importam quando apenas somos, e eu sou aquilo que fizer de mim, aquilo que emanar para que eu seja, serei exatamente como me pintar, como me criar, exatamente como precisar que eu seja. Se escolher a dor serei carrasco, mas depois trarei também aconchego. Se escolher culpa trarei a doença, mas sem ela não teria a cura. Enquanto precisar acreditar, terá malfeitores e benfeitores, mas só quando assumir a responsabilidade vai viver a verdade, parar de fantasiar a culpa e aceitar que tudo que existe no seu universo é criação e atração sua.
-Acho que por enquanto só posso agradecer por me fazer entender e esclarecer tantas coisas. Se tenho tanto o que aprender, quantos ainda não estão se iludindo, se enganando?
-Já parou pra pensar nas bilhões de entidades e manifestações que existem? Não teríamos guerra se todas estivessem certas, mas não temos a paz justamente por ao quererem estar certas, precisam que as outras estejam erradas. Criaram um Deus único talvez tentando eliminar as guerras, dando um só caminho para todos os caminhantes, mas o que aconteceria se o seu Deus fosse o Deus de todos? Teríamos muitos males renegados e escondidos porque você ainda não assume responsabilidade pelo que cria e atrai.
-Prefiro acreditar em bilhões de deuses e verdades do que deixar que acreditem nas mentiras que me faço acreditar para fugir da culpa.
-Quer que eu leve embora a culpa?
-Posso transformar ela em outra coisa?
-Mas é claro, te deixarei a sós com sua imaginação, boa criação;

segunda-feira, 11 de julho de 2016

chão de fabrica

bate ponto, bate estaca,
bateu ao som da repetição.
bota de couro, boca de graxa,
gosto amargo, fricção.
a rotina é o mantra
do maestro das maquinas
que cozinha a mente pela audição,
pra livrar o vazio dessa vida sem graça
se debate em pé sem razão.
impulso liberado do comprimido tomado,
borbulha a agua do corpo com a vibração.
boca seca, demanda de atividade
a todo vapor na fabricação 
serotonina, dopamina, mais diversão.
beijo mordido, amasso explosivo,
viver sem sentido e sem direção.
fim de expediente, sensação de contente,
sempre experimente perder a razão.
 

domingo, 10 de julho de 2016

sem sentidos

fiz e refiz da maneira que aprendi.por amor me escondi, fugi, calei,
brinquei sozinha num canto do quarto.
por amor eu desapareci,
me tornei invisível
para não ser mais um problema.
por amor me anestesiei
me esqueci
depois tentei acordarmas por amor eu voltei a me anestesiar
por amor não me permito mais sentir
por amor não me permito mais amar.
pela dor que me faço aguentar
aceito a anestesia
para que por amor ainda possa me machucar.

domingo, 3 de julho de 2016

seria diferente essa conversa se não fosse nessa cama, os olhos seriam outros.
não fosse assim, não acharia o tempo de descansar em mim o repousado olhar de tristeza,
esse de quem não tem mais o tempo de viver, esse que outrora sequer se deu o tempo de pensar,
quanto mais achou tempo para agir de forma que não fosse atrapalhar o tempo de ter que viver aquilo que tinha e por isso frágil mantinha.
aparentemente
a minha força deveria estar na minha fragilidade, escondida em algum canto piando pelo ninho. não estava. eu era tão forte e tão frágil quanto o outro, mas perdia peso rapidamente por não querer alimentar minha mente com o alienar desse fingimento eloquente.
seria diferente essa conversa se ainda tivesse em mim o tempo de vida que todos seguem fingindo ter. seria diferente se eu tivesse esperança em dias melhores. seria diferente se eu estivesse depositando minha fé nas minhas sementes, nas caras que eu nem vi brotar no mundo mas já estaria errando ao mal traze-las e já tomba-las com o peso da responsabilidade da minha futura, arquitetada e planejada felicidade. coitadas.
é fácil viver sem sentido. quer ter razão ou ser feliz? quem quer ser o cancêr que falhou a revolução da evolução? foi ele quem buscou um sentido nisso tudo pro resto seguir? é assim que começa a dar errado? mas vai que dava certo...
as vezes a doença é cegueira, as vezes não, as vezes a doença vira a má função de digestão da quantidade de lixo que uns tem que engolir pra regozijar a felicidade dos outros.
seria diferente se eu quisesse deixar uma boa impressão, mas bom e mau é conceito criado por alguém, nem sei quem. não conheço o bem, tão pouco o mal. conheço a verdade, o agora, depositados aqui a cada momento... conheço sim também o depois, o antes, mas só em pensamento, não vivi o cem por cento. sei de tudo, da dor que vivi e da que não vivi. da covardia, do egoísmo a custo de um conforto, de um sono gostoso que veio prensado, embalado de barriga cheia de doce e sonhos de quem escolheu ver a tela cheia de cores animadas... uma meritocracia já conquistada, abençoada pela mais profunda hipocrisia cravada em um bom merecedor.
o que é merecimento se não uma forma bela e confortável de dizer ao outro que tudo bem lhe tomar a frente, que tudo bem ser dono do pódio, que tudo bem tornar-se proprietário, dono, inquisitor, único e soberano. afinal por mérito já é capaz de descanso, descaso, fingimento e muita manha se de imprevisto vem algo reivindicar um pouquinho que seja desse merecido império de ilusões.
seria diferente se eu eu tivesse tempo a perder, se cada segundo não estivesse contando, se cada puxada de ar não fosse a própria pausa no tempo que falta pra partida. de certa forma ainda me escuta, ainda me olha, ainda me ama por cada instante de vida que me agarro antes de partir.
atenção redobrada já que a respiração contada.
é diferente quando a gente sabe que vai morrer. num segundo se agarra a esperança de que exista mais tempo, que se realize uma vida plena... no outro se entrega ao alivio do não esperar mais nada, descansar em paz sem culpa ou dor por chamar conforto de amor.
vai-se o ar, morre um instante, agora que sabe fica inquietante,
se vai viver a vida com a morte de lema
ou se segue a cartilha e disfarça com um poema.