Em meio ao caos das partículas quentes da maria fumaça, pensamentos vagavam entrando pelos vagões do trem. Andava quase como anda hoje em dia, mas tinha sempre no bolso um maço de tempos. Cada tempo tinha cinco minutos e em tempo de espera eram muito úteis, não que algo fosse chegar, mal sabia, mas os velhos tempos eram mesmo ótimos tempos.
Fumaça não é fogo, nem parece nociva até que te mata. De onde vem tanta ânsia de morrer mesmo que aos poucos? Se fores aos vales umbralinos gritarão: "SUICIDA!"
Um grupo de sentimentos que juntos montavam um belo time de baixo-auto-estima, sonhavam com dias melhores, mas nunca acreditavam realmente que eles chegariam, isso rendia um eterno "mesmo que chegassem". Mesmo que chegassem jamais sentiria a dignidade de vive-los, sendo assim de que adiantava querer? As coisas boas saltavam diante de seus olhos, enviando todos os sinais para serem possuídas, mas não as via, se via já era tarde demais, tamanha a certeza da cegueira de que tudo que era de bom definitivamente não lhe caia bem. Que culpas esse espírito carregava para se sentir tão indigno de felicidade plena? Nada que fizesse trazia o sentimento de merecimento.
Sua alquimia mental conflitante não impedia no entanto que intrigantes aventuras acontecessem. Enquanto as pessoas passavam, gastava o tempo secando garrafas, bolando mais tempo, mais fome, mais sono, dropando mais alegria, experimentando suores e sabores, provando de outros orgasmos, aspirando e espremendo de si mais vida do que os corpos poderiam produzir por si só.
Foram longos passeios por manhãs, tardes, noites e madrugadas, caminhando na linha tênue entre o umbral e o alto astral. Talvez os desencarnados amargurados estivessem gritando em acusação: "SUICIDAS!" e os guardiões e mentores tendo dias difíceis de trabalho cuidando para que a chama acessa não se apagasse, provavelmente, mas ninguém viu essas batalhas invisíveis e diárias. A musica estava sempre muito alta, amortecendo as quedas, anestesiando as dores e impedindo que os sons sublimes fossem percebidos.
Tinha fogo, fumo, erva, pó, vontades, carinhos, carências e ao julgar pelo entra e sai na porta do coração, aprendeu que pra se livrar de um amor o melhor remédio era uma paixão, e pra se curar de uma paixão, uma outra paixão e pra tentar curar toda paixão, solidão. Vivia se escondendo, com medo que descobrissem sua maior agonia. Matava os tempos livres em silencio, tragando e deixando que a morte lhe desse um trago.
Naqueles tempos em que vivia ótimos dias sem saber, parecia bonito o flerte com a morte, mas ao observar melhor os jovens agora já velhos, com suas peles enrugadas, dentes manchados, vozes auditiva-mente cansadas, naquela rouquidão asmática e frustrada pela garganta maltratada, decidiu que não valia a pena se matar por medo. Que descobrissem sua farsa, não perderia mais tempo disfarçando, não maltrataria mais aquele disfarce humano. Um corpo esconde muito bem sua imortalidade, o mortal e o imortal eram só o tempo de inspirar e expirar pela eternidade, vai ver por isso gostamos de fumo e ver fumaça, tragar e soltar, guardar e libertar. Mochila nas costas, violão na mão, andava por ai como antes, mas o ar noturno se fez lembrar: Nove meses sem fumar.
<3
ResponderExcluirVc é incrível!
ResponderExcluirVc é incrível!
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